domingo, 17 de agosto de 2014

De novo

Meu eu lírico odeia o meio termo. Meu eu lírico odeia a mesmice. Odeia o tanto faz. Odeia o quase. Meu eu lírico é exigente. É louco, e lindo. Meu eu lírico gosta de sentimentos fortes e pessoas inesquecíveis. Meu eu lírico odeia quem só saber observar a paisagem. Depois tem desejo de ser como esses. Meu eu lírico se torna parte da paisagem. Ele é aquilo que ele vê e que ele sente. Meu eu lírico ama o momento. Meu eu lírico gosta fácil. Detesta com todas as forças os finais. Principalmente os tristes. Todo fim é triste porque para ele, a única coisa que não acaba é a felicidade. Meu eu lírico odeia não conseguir. Ama a perfeição e os defeitos dela. Meu eu lírico é um paradoxo. Meu eu lírico quer tudo agora, mas deseja esperar. Meu eu lírico não quer dias melhores. Meu eu lírico quer dias espetaculares. O passado do meu eu lírico está morto. Meu eu lírico é louco. E lindo. Meu eu lírico sou eu.

domingo, 20 de julho de 2014

Em algum papel encontrado nas arrumações esporádicas

Ela se levantou rápida, desviando o olhar e o fixando na porta. Ele estava parado, imóvel. Parecia com medo. Ela observou cada músculo contraído do seu corpo. Lembou-se do beijo dele e um calafrio percorreu suas costas. Estava entregue, mas ele não poderia saber. Ela andou um pouco. passou a mão pela sua cintura e a apertou de leve, como fazia quando ficava nervosa. "Você voltou" Suas palavras pareciam sair trêmulas. Ela tinha medo que falasse aquilo que não podia, que sentia. Seus olhos estavam vermelhos de chorar. Mas era difícil não esmorecer naquele momento. A lembrança que tinha dele não poderia nunca, jamais se comparar a sua presença. Andou até a porta. Ouviu sua respiração, sentiu seu cheiro. E, ao olhar nos seus olhos, pensou estar no paraíso. Eles a tragavam. Eram azuis, tensos. "Você voltou?" A afirmação se tornou dúvida. Por que ele não a olhava como antes? Parecia se controlar. Parecia cerrar as mãos para impedi-las de tomá-la pela cintura, beijar-lhe os olhos, sentir seu corpo quente, seu coração acelerado. Ele podia ver, na sua blusa decotada, o esforço que ela fazia para não parecer ofegante. Mas seu colo se movia, e ele podia ver os ossos por baixo da pele dela. Ouviu sua respiração. Andou até próximo demais dela. E, pensando em apenas tocar no seu rosto, a amou por completo.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Em busca

Meu coração tem o peso da paz e talvez você nunca entenda o que isso quer dizer. Meus olhos são feitos de água de cachoeira e sempre correm em direção ao que acreditam pertencer. Só sei sentir o cheiro das flores e escutar o canto dos pássaros. Meus pés sentem a grama e mais nada. E minhas mãos só sabem colher bons frutos. Minha pele só reconhece o toque do vento. Minha vida é feita de encontrar belezas. Nos dias, nas pessoas e até mesmo nas tristezas.

sábado, 5 de julho de 2014

Lucy in the sky

Lúcia olhou em volta. A velha dúvida sobre ter ou não feito a escolha certa pairava sobre ela. Em todos os momentos de tristeza, desejava poder estar em outro lugar, com outras pessoas. Lúcia sabia que havia feito uma escolha quando decidiu ficar. Sabia que haveria mais pelo que batalhar. Mas sua mente sempre voltava para o passado. E se tivesse virado por outro caminho e nunca encontrado aquelas pessoas? E se, e se... Lucia parou. Respirou fundo, o ar entrando em seus pulmões e quase chegava a doer. Percebeu-se ali. E tudo o que havia em volta, eram suas conquistas. Havia muita coisa. Ela sempre queria mais, mas era necessário aprender a cuidar do que era seu. Sem pressa levantou-se. Um ou dois livros estavam no chão. Olhou para eles e percebeu seu celular do lado. Algumas mensagens do que um dia foi algo. Apagou todas. Não há vestígios, então nada aconteceu. Gostava da sensação de limpeza. Deixa o dia mais leve. Decidiu não pensar nas escolhas que havia feito, e se eram ou não boas e certas. Decidiu agarrar-se ao que tinha. E o que tinha, descobriu, era tudo.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Lembrete

Um dia ruim não é uma vida péssima. Menina se lembre sempre disso. Coisas novas virão e com ela suas conquistas e pessoas que vão querer que você seja algo além na vida delas. O mundo está cheio, e ele é seu. Você acredita? Você se vê como eu te vejo? Não se cobre e tenha calma. Não é possível viver uma vida levando tudo a ferro e fogo. Você sabe melhor que eu né? Se sentir-se cheia, chore mesmo. No caminho para casa ou na cama. Mas uma hora passa. E a vida lhe sorri de novo. Só o amor salva. E se ele existir meu bem, ele virá para você.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Entre nada e alguma coisa

Ele não entendia. Maria não estava no claro ou no escuro. Maria estava na penumbra, na sombra, no crepúsculo. Maria estava entre. Entre as pessoas, as coisas. Entre seus livros preferidos e seus filmes mais amados. Mas não estava em nada. E ele insistia em procurá-la nas coisas. Nas palavras que lia, nos lugares que frequentava, nas fotos que mostravam todo o rosto. Não. Não poderia encontrá-la lá. Maria estava entre tudo o que amava e evitava. Entre todos seus valores. Era uma transição. Eternamente em busca, eternamente a caminho. Sendo refeita e desfeita. No segundo que difere um sorriso de lábios cerrados, era lá que ela se encontrava. Nunca por inteira, pois ainda não existia nada acabado nela. Sempre em movimento e aprendizado. Entre desculpas e acertos ela estava lá. No segundo antes de olhar o desconhecido e amá-lo. Ela estará lá.

domingo, 25 de maio de 2014

(Todo) dia

Suas aflições tinham datas. Segunda-feira era o dia propício para pensar no quanto havia para se fazer durante a semana. Às vezes isso nem era aflição, era salvação. Na terça ela se perguntava sempre “e se”. E se tivesse escolhido outra coisa, outras pessoas... No meio da semana arrancava forças não sabia de onde para tentar ver o lado bom, mas era sempre na quarta que sentia falta de algo maior. Na quinta havia o prenúncio de algo bom, mas com o sentimento de ter muito a fazer e conseguir pouco. Na sexta buscava outra coisa, que fizesse com que ela esquecesse o quanto a solidão podia chegar forte e silenciosamente e se instaurar nela. Aos sábados queria ser outra pessoa. Talvez mais amada. Domingo era o dia de não encontrar perspectivas e se sentir cansada de tentar. Mas meu bem não sabia que esses pensamentos iam e viam. Eram dias ruins, não uma vida que não valesse a pena. Mas para quem sente, tudo é grandioso. Na maioria das vezes sua aflição era a aceitar tudo resignada. Não esperava nada de ninguém. Ninguém esperava nada dela.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Moda de viola. Bala de coco. Beijo na boca.

Algumas pessoas dançavam. Os vestidos das moças rodavam, e os floridos pareciam espalhar as flores pelo ar, deixando tudo perfumado. Os sorrisos só eram interrompidos para pronunciar as palavras da música. As mãos dançavam soltas, leves, como se tivessem vida própria. Os cabelos soltos voavam e pareciam acompanhar a viola. A roda seguia animada, agitada, entrando naquela madrugada fria de junho, aquele luar imponente e aconchegante. Havia a fogueira que dava luz e calor. Mas o calor mesmo vinha dos olhares trocados durante as danças. Da moça de vestido azul que olhava para o cavalheiro da viola. E ele, tímido, tocava seu instrumento como se não notasse os olhos castanhos em cima dele... Alguns riam. Alto. Bebiam a pinga quente, que descia queimando e os tornava mais felizes. Algumas crianças corriam atrás de doces, e caiam e se machucavam e não se importavam. Uma menina em especial dançava alegremente, como se estivesse sozinha, como se a vida fosse uma notícia boa. Segurava seu vestido amarelo de fitas com as mãos magras e pálidas. Rodava, girava, rodopiava e de novo e de novo... Seu cabelo há muito havia se desprendido do coque que fizera e dançava solto, louro e livre como era o espírito da jovem. Ela sorria, de olhos fechados. Sentia o vento da noite no rosto e amava o instante. Sentia as pernas tontas por causa da pinga e amava a terra no chão. Estava descalça, os pés vermelhos do quase barro, mas continuavam a dançar, criando seus movimentos conforme a música... Quando abria os olhos via aquele povo todo na festa. Seus sentidos estavam apurados. Cheiro de milho, de bebida forte, gosto de pimenta na boca, via várias cores a dançar, sentia a atmosfera da noite em seu pescoço, ouvia a moda de viola entrar em seu coração... Foi quando chegou um rapaz. Camisa xadrez, cavanhaque, jeito de homem que sabe das coisas, olhar confiante e nariz bonito. Moço bem feito. Tomou-a pela mão e lhe entregou o pacote que tirou do bolso da camisa. Sorriu meio torto para finalizar o ato que pareceu ensaiado. Ela retribuiu o sorriso automaticamente. O pacotinho era verde de pintinhas vermelhas. Abriu o papel e só nessa hora parou de dançar. O mundo continuava na moda de viola, mas ela e ele estavam em uma bolha bem frágil. Bala de coco. Três balas de coco. Será que ele pegou em aniversários? Ela sorriu para ele. Colocou uma na boca, querendo que durasse para sempre. Sentiu o docinho ir espalhando pela língua até a garganta. Guardou as outras no decote do vestido. E ainda com a bala na boca tentou sorrir para o rapaz do cavanhaque. Ele chegou mais perto e se beijaram. Cheiro de madeira do perfume dele, gosto de bala de coco na boca, tudo escuro pelo seus olhos fechados, a atmosfera da noite entrava em sintonia com as mãos dele na sua cintura, a moda de viola continuava...

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O agora já foi

Ao abrir os olhos, sentiu que a vida lhe pertencia. Era sua por completo, sem deixar brechas. Era tempo de pegar o que era seu para si. Não culpar os outros por não terem dado a devida importância. Era tempo de ser por si só. Existia algum prazer egoísta e delicioso em se pertencer. Nunca estar só quando se estava apenas consigo. Por hora já bastava. Sorriu o sorriso de quem descobre algo. Olhou em volta com olhos que se surpreendiam com as mesmas coisas. Tudo era único. Tudo o que doía era algo. Tudo o que vivera seria lembrado como vultos. Tudo o que fazia sorrir seria guardado com carinho e afeto. Só. Tudo o que se passava naquele momento era seu. O esquecimento de tristezas passadas aconteceu sem que se esforçasse. No íntimo, ela se protegia sem saber. O passado estava morto. E o passado não importava muito. Alguns fatos sim. Algumas imagens que nunca deixariam sua mente. Mas tudo o que passou eram histórias. Tudo o que foi não é mais. Não existe um universo paralelo onde momentos se eternizam. Eles são efêmeros. E isso, era algo bom. Um alívio, uma recompensa, uma oportunidade. A eternidade é um segundo e nunca mais. Estar pronta. Nova. Como alguém que acaba de chegar ao mundo e quer estreá-lo. Sentir tudo como se o fizesse pela primeira e vez e nunca se acostumar. A vida estava lhe dando outra oportunidade, e ela não queria perder tempo. Levantou-se da cama e tudo o que viveu foi à flor da pele.